O PRIMEIRO CULTO PROTESTANTE NO BRASIL
Alderi Souza de Matos
Cabe
aos presbiterianos a honra de terem realizado o primeiro culto
evangélico na história do Brasil e das Américas. Esse evento singular
ocorreu há 462 anos em uma pequena colônia fundada pelos franceses na
baía de Guanabara.
1. A França Antártica
Após
o descobrimento do Brasil, Portugal demorou a interessar-se pela
ocupação e a colonização dos novos domínios. Com isso, a colônia atraiu a
atenção de outras nações européias, especialmente a França. Após a
experiência mal-sucedida das capitanias hereditárias e as constantes
incursões estrangeiras, Portugal resolveu tomar providências concretas.
Em 1549 enviou o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, que
se instalou em Salvador. Todavia, o controle da imensa costa era ainda
muito limitado. Foi nesse contexto que o militar e aventureiro Nicolas
Durand de Villegaignon teve a idéia de fundar uma colônia numa região
bem conhecida dos franceses: a baía de Guanabara.
Villegaignon
aproximou-se do vice-almirante Gaspard de Coligny, um dos principais
conselheiros do reino, que nutria fortes simpatias pela Reforma. Com
isso, conseguiu o apoio do rei Henrique II (1547-1559), que lhe forneceu
dois navios aparelhados e recursos para a viagem. A expedição chegou à
Guanabara no dia 10 de novembro de 1555, sendo bem recebida pelos índios
tupinambás, acostumados à presença de franceses na região. O grupo
instalou-se na pequena ilha de Serigipe, mais tarde denominada
Villegaignon, onde foi construído o Forte Coligny.
2. A vinda dos reformados
Diante
de várias dificuldades surgidas, Villegaignon escreveu à Igreja
Reformada de Genebra solicitando o envio de pastores e colonos
evangélicos que contribuíssem para a elevação do nível moral e
espiritual da colônia. Coligny convidou para liderar o grupo um
ex-vizinho seu, Filipe de Corguilleray, conhecido como senhor Du Pont.
Por sua vez, João Calvino e seus colegas alegremente escolheram para
acompanhar os colonos os pastores Pierre Richier (50 anos) e Guillaume
Chartier (30 anos). Os seus objetivos específicos eram implantar a fé
reformada entre os franceses e evangelizar os indígenas.
Os
huguenotes que os acompanharam foram Pierre Bourdon, Matthieu Verneil,
Jean du Bourdel, André Lafon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David,
Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e o sapateiro Jean
de Léry, o cronista da viagem, que escreveria a obra Viagem à Terra do Brasil (publicada
em 1578). Eram ao todo 14 pessoas. O grupo deixou Genebra em 16 de
setembro de 1556. Após visitarem o almirante Coligny, seguiram para
Paris, onde outros se uniram à comitiva. Alguns pensam que entre eles
estava Jacques Le Balleur. No dia 19 de novembro embarcaram para o
Brasil no porto de Honfleur, na Normandia.
A
frota de três navios, comandada por Bois Le Conte, sobrinho de
Villegaignon, levava cerca de 290 pessoas, inclusive algumas mulheres.
Como de costume, a viagem foi muito penosa. A certa altura, diante da
situação em que se achavam, os reformados recitaram o Salmo 107 (ver os
vv. 23-30). No dia 7 de março de 1557, os viajantes finalmente entraram
no “braço de mar” chamado Guanabara pelos selvagens e Rio de Janeiro
pelos portugueses.
3. O primeiro culto
O
desembarque no forte Coligny deu-se no dia 10 de março, uma
quarta-feira. O vice-almirante recebeu o grupo afetuosamente e
demonstrou alegria porque vinham estabelecer uma igreja reformada. Logo
em seguida, reunidos todos em uma pequena sala no centro da ilha, foi
realizado um culto de ação de graças, o primeiro culto protestante
ocorrido nas Américas, o Novo Mundo.
O
ministro Richier orou invocando a Deus. Em seguida foi cantado em
uníssono, segundo o costume de Genebra, o Salmo 5: “Dá ouvidos, Senhor,
às minhas palavras”. Esse hino constava do Saltério Huguenote,
com metrificação de Clement Marot e melodia de Louis Bourgeois, e até
hoje se mantém nos hinários franceses. Bourgeois foi diretor de música
da Igreja de Genebra de 1545 a 1557 e um dos grandes mestres da música
francesa no século 16. A versão mais conhecida em português (“À minha
voz, ó Deus, atende”) tem música de Claude Goudimel (†1572) e
metrificação do Rev. Manoel da Silveira Porto Filho.
Em
seguida, o pastor Richier pregou um sermão com base no Salmo 27:4: “Uma
coisa peço ao Senhor e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor
todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e
meditar no seu templo”. Após o culto, os huguenotes tiveram sua primeira
refeição brasileira: farinha de mandioca, peixe moqueado e raízes
assadas no borralho. Dormiram em redes, à maneira indígena. A Santa Ceia
segundo o rito reformado foi celebrada pela primeira vez no domingo 21
de março de 1557.
4. Eventos posteriores
Infelizmente,
o vice-almirante acabou entrando em conflito com os huguenotes sobre
questões doutrinárias e os expulsou da colônia. Em 4 de janeiro de 1558,
eles partiram para a França a bordo de um velho navio. O
comandante avisou que a viagem iria ser difícil e não haveria alimento
para todos. Diante disso, cinco huguenotes se ofereceram para voltar à
terra. Inicialmente Villegaignon os recebeu de modo cordial, mas logo os
acusou de serem traidores e espiões. Formulou um questionário sobre
pontos doutrinários e lhes deu doze horas para responderem por escrito. O
resultado foi a bela Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense.
O
almirante declarou heréticos vários artigos e decidiu pela morte dos
reformados. No dia 9 de fevereiro de 1558, Jean du Bourdel, Matthieu
Verneil e Pierre Bourdon foram estrangulados e lançados ao mar. André
Lafon foi poupado devido às suas vacilações religiosas e ao fato de ser o
único alfaiate da colônia. Jacques Le Balleur fugiu e foi para São
Vicente. Levado preso para a Bahia, ficou encarcerado por oito anos,
sendo então conduzido ao Rio de Janeiro, onde foi enforcado. Ele e seus
companheiros ficaram conhecidos como os mártires calvinistas do Brasil.
Essa
efêmera presença calvinista no início da história do Brasil não
produziu efeitos permanentes. Não foi possível aos reformados alcançar
seus dois intentos principais: criar uma igreja reformada e evangelizar
os nativos. Todavia, esse episódio é considerado um marco significativo
na história das missões cristãs, pois foi a primeira vez que os
protestantes buscaram anunciar a sua fé a um povo pagão. O fruto mais
duradouro do singelo empreendimento foi a bela confissão de fé selada
com sangue.
Fonte: https://cpaj.mackenzie.br/historiadaigreja/pagina.php?id=287
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