JOSÉ MANUEL DA
CONCEIÇÃO
O primeiro pastor ordenado no Brasil
O
primeiro pastor brasileiro foi um padre, que converteu-se ao
protestantismo tornando-se pastor da igreja presbiteriana, o primeiro
nacional ordenado para tal serviço, o que resultou sua excomunhão pela
igreja católica, sentença publicada em um jornal paulista, acompanhada
depois da defesa do já então, pastor Manoel da Conceição. Os dois
documentos foram depois publicados juntos em uma brochura, no ano de
1867. É este opúsculo que está disponível para download no blog
ALMANAQUE DE HISTÓRIA
Este padre católico brasileiro nos idos de 1864, passava por uma profunda
crise espiritual, exatamente a da questão da salvação e do valor meritório das
obras. Como Lutero, condenava as indulgências que proporcionavam uma falsa paz,
acusando a Igreja pelo seu "sistema de comutação" que "implica e
explica a negação da graça de Jesus". Não lhe sendo possível continuar no
exercício do ministério, quis abandoná-lo, tendo sido, por sua vontade,
dispensado apenas de suas funções propriamente sacerdotais, após o que foi
viver como simples particular, em uma pequena casa de campo nos arredores de
Rio Claro. Aí foi encontrá-lo o missionário americano Blackford, atraído pela
fama do "padre protestante". Este acabou por ceder às suas
exortações, batizando-se na Igreja Presbiteriana do Rio em 23 de outubro de
1864.
Eis aqui uma descrição das duas últimas
reuniões, feitas por Blackford e conceição, que nos mostra o modo como eram
realizadas e como se criou em Brotas o primeiro núcleo protestante
verdadeiramente brasileiro: "Na segunda-feira 13 (de novembro) reunimo-nos
em casa de Antônio Francisco de Gouvêa, no sítio, com o objetivo de organizar
uma igreja. O Sr. Conceição pregou a mais de 30 presentes, após o que fizeram
pública profissão de fé e receberam o sacramento do batismo . Era a primeira
vez que qualquer deles participava desse sacramento, ou o via. Foram horas de
júbilo para o coração dos que participaram e de profunda impressão para os que
presenciaram.
Gradualmente a comunidade de Brotas
desenvolveu-se de maneira extraordinária. Em 1867 possuía 61 membros professos,
em 1871, 116 (e 123 crianças); em 1874, 140 membros. "Gente da vila e
gente dos sítios: . Gente de várias procedências e diversas famílias,
espalhadas num raio de dez a quinze léguas por aqueles sertões. A igreja de
Brotas foi, durante muito tempo uma das maiores igrejas protestantes do Brasil,
ao lado da do Rio.
Frases
"e
temos confiança, e ansiosamente desejamos vê-la progredir, concorrendo com
quanto houver em nossas poucas forças para que mais e mais Jesus Cristo ganhe
almas para sua glória".
"Nossas
poucas forças". Conceição havia dito também "A continuar como nos
últimos tempos, antevejo que pouco poderei prestar".
Acabava, realmente, de fazer cinco grandes viagens no decurso de um ano. Seus
companheiros de jornada
–
missionários como Blackford, Chamberlain, Schneider, Simonton, e ainda jovens
evangelistas brasileiros ou portugueses como Miguel Torres, Modesto Perestrelo
de Barros, Antônio Pedro, José Rodrigues, Carvalhosa – revezavam-se cada vez, à
administração, e bem cedo à burocracia. Continuou no seu ministério de apóstolo
itinerante.
Os
missionários, que, enviando os jovens evangelistas brasileiros a estudar no
Rio, haviam-no privado de seus companheiros habituais, tinham outras coisas a
fazer que seguir esse nativo, tão independente quanto psicologicamente
incompreensível. E assim, daí por diante, Conceição fazia suas viagens de
pregação só, como havia feito no começo, quando o acreditavam louco (não se
estava, aliás, voltando a essa idéia?).
Nessa divergência, entretanto, havia algo mais profundo que diferenças de
temperamento ou técnica missionária. Conceição, cuja experiência religiosa
muito se assemelhava à de Lutero, tinha, com relação a questões eclesiásticas,
uma posição vizinha à do Reformador. Saído de uma igreja cujo principal defeito
fora talvez deixar-se dominar pela organização, sentia bem pouco a necessidade
de uma contra-Igreja organizada. Rompendo com Roma como Lutero, almejava, como
Lutero, difundir a mensagem de salvação, sem se preocupar muito em destruir
instituições para elevar outras. Seu último biógrafo transcreve, a esse
respeito, uma página notável que é necessário reproduzir na íntegra: "Se
queremos imprudentemente comunicar a homens sem preparatório algum, verdades
que lhes são absolutamente incompreensíveis, empregadas desta sorte, falsa e
prejudicialmente, não promoveremos assim a ilustração. Ilustrar é conduzir o
homem pensador à meditação, para faze-lo valoroso, e capaz de poder por si
mesmo descobrir a verdade, que lhe comunicamos.
"Tanto seria loucura, se os pais quisessem insinuar a seus filhos
malcriados e fracos as verdades que sabem; quão fátuo querer imbuir adultos sem
prévia e conveniente disposição de coisas e princípios, que lhes é impossível
compreender".
"Tudo tem seu tempo".
"Há muitos homens incultos que são crianças a muitos respeitos, que devem
ser doutrinados com grande circunspecção. Porque o exterminar certos prejuízos
e costumes úteis, usos que muitas vezes substituem a verdade mesma, por nenhum
modo é isso ilustração; porém leviandade desumana, crueldade inexcedível".
"Respeitem-se, portanto, os costumes e usos
antigos do povo, que, em falta de mais profundos esclarecimentos são aptos para
guiá-los e contê-los no bem".
"Ó meu Deus! Eu respeitarei a religião do
ignorante – a fé daqueles que não tem tantas ocasiões de conhecer-vos, de
venerar-vos de um modo mais digno. Jamais servirei à vaidade e presunção, de
tal sorte que abale a fé piedosa dos outros com palavras e ações
inconsideradas".
Estas palavras, como se disse, "embora
dirigidas àqueles que pregam o materialismo em nome da ciência, evidentemente
estabelecem um princípio geral de conduta bem definido. Princípio que se opunha
ao método dos missionários estrangeiros, preocupados em destruir, como
supersticiosos e idólatras, os hábitos religiosos encontrados entre o povo
brasileiro – enquanto o primeiro dentre eles, Kidder, fora capaz de receber que
esses hábitos denunciavam, e mesmo sustentavam, a existência de uma fé
ignorante, mas profunda e sincera.
Manifestava-se no Brasil, uma vez mais – depois de
Feijó e Kidder – a visão de uma Reforma realmente brasileira, harmonizada com o
temperamento e os hábitos do país, visão que, aliada ao seu apego à
evangelização itinerante, iria fazer dele "um desconhecido" para seus
companheiros e amigos missionários, "que desejavam ajudá-lo, mas não
sabiam como".
Não tinha havido um rompimento entre ele e seus
companheiros, mas sua missão não era o ministério organizado e a propaganda
confessional, à qual se dedicavam então os missionários; nem mesmo se dedicava
mais à evangelização itinerante, com auditórios relativamente grandes e
representantes de todas as classes. O antigo cura, de boa família, possuidor de
grande cultura, dedicava-se agora ao ministério de caridade e instrução
religiosa entre os mais humildes. O insigne teólogo, que estava a par da
literatura espiritual de toda a Europa, comprazia-se com os mais modestos
conselhos de higiene como meios de obter a paz da alma. Comovente declínio de
um homem que experimentara até o paroxismo, todas as lutas do espírito. Essa
mesma humildade levava-o a viver essa "vida pobre" que se aproxima de
São Francisco de Assis, e da qual o protestantismo brasileiro guardou
admirativa memória, mesclada de alguma surpresa.
"Chegando
a um sítio, diz o major Fausto de Souza, se resolvia a ter aí alguma
permanência, ele procurava alguma choça ou telheiro que lhe servisse de abrigo,
às vezes mesmo edificado por suas mãos e coberto de ramos; se, porém, sua
demora era passageira, ele pedia hospedagem em qualquer casa, preferindo as de
modesta aparência; e, antes de sair dela, procurava dar um sinal de seu
reconhecimento, servindo de enfermeiro a algum doente, consolando tristezas ou
mesmo prestando vários serviços humildes, como varrer, lavar, etc., etc.
"...
Sua frugalidade era tal que com qualquer coisa se satisfazia durante o dia
inteiro: uns ovos, leite, um pouco de farinha de milho ou de mandioca, ervas,
café e açúcar, constituíam quase sempre o seu alimento. Desses gêneros, os que
lhe davam agradecia com humildade; mas se assim não acontecia, também não os
pedia, mas comprava-os em pequena quantidade, à proporção que deles
necessitava, porque, conformando-se com a ordem dada por Jesus Cristo aos
apóstolos, ele não possuía alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem
calçado, nem bordão, e mesmo o dinheiro que levava para o seu parco sustento limitava-se
a alguns tostões".
Esta vida
de pregador solitário durou quatro anos. Quatro anos durante os quais Conceição
pregava aos arrieiros e viajantes que encontrava, aos pobres em cuja casa
residia e dos quais cuidava, vítima muitas vezes de sevícias por parte de
populações fanáticas, outras vezes considerando taumaturgo e obrigado a
subtrair-se a uma espécie de culto.
Tendo
agradecido aos que o haviam socorrido, pediu que o deixassem "só com seu
Deus" e morreu, tendo adormecido, ao que parece, por volta do fim da missa
da noite de Natal.
O
protestantismo brasileiro teve, em Conceição – que abriu seus caminhos e nimbou
seus primórdios de uma auréola mística – um santo. província.
Em 1844, foi ordenado padre da igreja romana, e pelo espaço de 18 anos exerceu
o cargo de pároco em diversos lugares de sua província natal.
Ele
possuía, em alto grau as características tão essenciais para o ministério
sagrado, uma profunda e viva simpatia com seus semelhantes; e em toda parte
onde andava, foi admirado e amado pelo povo. Ele foi com justiça considerado um
dos maiores ornamentos da tribuna sagrada da diocese S. Paulo.
Seu espírito esclarecido e reto não podia porém conciliar os dogmas e a prática
da Igreja Católica Apostólica Romana com a luz do evangelho, que seus estudos
lhe traziam, e depois de uma renhida luta espiritual por alguns anos,
decidiu-lhe em 1864 a tudo abandonar por amor da verdade. Em setembro desse ano
participou ao bispo de S. Paulo, a sua retirada definitiva da igreja romana e a
sua renúncia dos cargos que nela tinha exercido.
Em dezembro de 1865, foi ordenado ministro do Evangelho pelo Presbitério do Rio de
Janeiro, reunido na cidade de São Paulo. Tornando-se o primeiro pastor
Presbiteriano Nacional.
Poucos meses depois, empreendeu de motu-próprio, o que era seu trabalho
predileto, andar de casa em casa e de lugar em lugar anunciando aos homens a
boa nova de salvação de graça por nosso Senhor Jesus Cristo.
E até o fim de sua vida, umas vezes a cavalo outras vezes a pé, prosseguiu,
como podia, nesta sua nobre missão.
Seus colegas e amigos, muitas vezes instavam com ele para aceitar algum outro
emprego ou modo de trabalho mais compatível com as suas forças. Ele, porém, não
quis anuir.
Muitas cidades, vilas e arraiais e milhares de pessoas nas províncias de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, foram testemunhas da fidelidade, zelo e
fervor com que ele pregava Cristo crucificado como único Redentor.
Ele semeou a boa semente, da qual haverá no Brasil e no céu uma imensa
colheita.
José Manoel da Conceição padecia, havia muitos anos
de uma grave enfermidade, que as vezes, o incapacitava por dias e semanas
inteiras para qualquer serviço.
prática do romanismo.
Boanerges Ribeiro comentando a Resposta de Conceição, resume: "É
sintético, claro, elegante, vigoroso, bíblico. Atinge o romanismo no coração, a
missa, que enseja o sacerdócio, o qual detém os sacramentos pelos quais
manipula os benefícios da expiação feita no Calvário e conserva cativos os
católicos romanos." (Boanerges Ribeiro, José Manoel da Conceição e a
Reforma Evangélica, p.68).
O próprio
Conceição finca as estacas: "Os pontos fundamentais desta exposição do
plano da nossa redenção são três:
1º Pela morte da cruz Jesus Cristo pagou a dívida dos que se salvam, e por
conseguinte estes não Têm de fazer expiação por si mesmos, nem o sacrifício de
Cristo se repete.
2º A condição de alguém ter o proveito desse pagamento é de sua parte. A
salvação é um dom concedido de graça aos que crêem no Filho de Deus.
3º O dom do Espírito Santo acompanha a remissão dos pecados; ele é o autor na
nova vida interior em que consiste a essência do Cristianismo. Ele é o
santificador; e os sacramentos, a oração, a leitura e meditação das palavras de
Deus são meios cuja utilidade da sua colaboração."
Ele
argumenta e prova, que a seita romana alterou fundamentalmente alguns pontos.
Em sua exposição, Conceição revela o quanto ele tinha uma visão Reformada das
Escrituras. Os pontos mencionados são estes: "1º Ela contesta e nega
suficiência da expiação feita sobre a cruz. (...) 2º O segundo ponto alterado
radicalmente, versa sobre as condições indispensáveis a fim de que os homens
tenham o proveito do pagamento feito por Cristo. (...) 3º O terceiro ponto
fundamental, que no ensino da Igreja Romana está radicalmente alterado é a
doutrina do Espírito Santo."
Segundo
ele: "Não há reforma possível que não comece por reafirmar: 1º que Cristo
foi crucificado uma só vez no Calvário é a única e suficiente expiação pelo
pecado, e já não há mais oferenda pelo pecador; 2º que os méritos de Cristo
estão ao alcance de toda a alma contrita e crente; 3º que a essência de uma
vida cristã está na reabilitação do homem interior, e não há força capaz de
efetuar tal transformação exceto o Espírito de Deus, com quem estamos em
contato imediato. Pedindo, receberemos; buscando, acharemos; batendo,
abrir-se-nos-á." (José Manoel da Conceição, Sentença de Excomunhão e Sua
Resposta, p. 26).